Sim, foi comigo. Como não poderia deixar de ser, claro. Na vida das pessoas normais, este tipo de coisa não acontece. Nunca ninguém me contou nada nem remotamente parecido, mas nunca se sabe. Enfim, isso não importa agora. O que importa é que aconteceu comigo. Explico.
Cenário? Fila do banco. Quer melhor lugar para o bizarro se instalar? Não tem.
Aí, estava eu, na fila do (bem? mal?)dito banco. Não tinha muita gente, e só por isso eu já devia desconfiar que alguma coisa absurda estava para acontecer.
Fila com pouca gente é sinal garantido de acontecimentos insólitos. Vai por mim, não tem erro. É só fazer um inventário das vezes em que a fila do banco estava pequena e, com certeza, os absurdos voltarão à mente com uma rapidez impressionante. E isto não é um comentário preconceituoso, é uma constatação científica.
Mas, voltado à minha fila de hoje à tarde. Lá estava eu, de pé, com um monte de papéis nas mãos, tentando me identificar com a parede branca recém pintada da agência. Para passar o tempo, sabe? Abstrair é a melhor solução. Sem contar que evita que os velhinhos da fila preferencial (que fica imediatamente ao lado da não-preferencial, só pra provocar) comecem a puxar aqueles assuntos intermináveis, insuportáveis, desnecessários e não-solicitados.
Se tem uma coisa que eu não suporto (entre o bilhão e meio de coisas que eu não suporto) é ficar ouvindo aqueles velhos xaropes falando dos netos e da prima Geralda que mora em Palmitinho e veio à Porto Alegre pra consultar na Santa Casa porque está com hérnia de disco de 45897ª vértebra e “coitada, tu nem sabe que ela era uma pessoa muito ativa, não dependia de ninguém pra nada. Acordava cedo pra tirar leite da vaca e fazer o pão, e quando os filhos acordavam pra ir pro colégio o café estava servido. Ela sempre cuidou tanto daqueles filhos, se preocupava com tudo, nunca deixou faltar nada, nem depois que o sem vergonho (eles SEMPRE dizem "sem vergonhO", SEMPRE) do marido dela fugiu com uma guria que tem idade pra ser filha dele e nunca mandou nada pros filhos, aqueles meninos sempre tiveram de um tudo! Agora, tu vê só. Agora que ela precisa, quem é que tá correndo com ela pra médico? Sou eu. Porque os filhos não querem nem saber dela. Esse mundo tá virado numa coisa! Onde é que já se viu? Filho não se preocupar com a mãe. Ainda mais que tá doente! Graças a Deus os meus filhos se preocupam muito comigo! Não tem coisa que eles não façam pra mim! Meus netos também! Graças a Deus! Deus é Pai!”.
Agora, alguém me diga. Eu preciso saber disso? Preciso? O que me interessa saber dos dissabores da prima Geralda? E eu lá quero saber das hérnias da prima Geralda? Quero?
Tá, mas isso foi só para ilustrar. Dar um pouco de cor local, por assim dizer. Enfim, lá estava eu, de pé, quando chega uma senhora na fila preferencial, com uma criança no colo. Até aí, tudo bem, a criança, de fato, era de colo, logo, ela tinha todo o direito de estar naquela fila. Obviamente, ela não era mãe da criança. No máximo avó, mas isso também não interessa. O que interessa é que, chegando a sua vez de ser atendida, a mulher vira para mim e pergunta:
Mulher: – Tu te importa de segurar ela um pouquinho?
Eu: – ... (confesso que levei uns 5 ou 6 segundos para processar a pergunta da mulher)
Ela, tomando meu silêncio por incompreensão (e estava correta), perguntou de novo:
Mulher: – Te importa de pegar ela no colo?
Eu: – ... (pasma, olhando para a mulher, sem mover um músculo sequer do corpo)
Mulher: – É que eu não consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo, ficar com ela no colo e pagar as contas.
Eu: – ... (franzindo as sobrancelhas, para facilitar o raciocínio e a compreensão do que parecia um delírio total e completo)
Mulher: – É rapidinho. (sorrindo e fazendo menção de passar a criança para o meu colo)
Eu: – ... (lentamente dando um passo para trás, na esperança de que uma fenda espaço-temporal se abrisse às minhas costas e me tragasse para a primeira dimensão que estivesse de bobeira por ali)
Mulher 2: – É pra segurar? Pode deixar que eu pego! Ai, olha que coisa mais bonitinha! Olha que bonequinha! Como ela é sorridente! Nem estranha!
Eu: – ... (olhando para trás, de rabo de olho, para me certificar de que aquilo estava acontecendo mesmo e não era delírio meu)
Caixa 1: – Olha só que amor, tá dando risada! Nem estranha ficar no colo de outra pessoa! Como é o nome dela?
Mulher 1: – Aqui? É Isabela. (como assim “aqui”, pensei eu. Ela é de outro planeta, por acaso?)
Caixa 2: – O próximo, por favor! (era eu, ainda bem!)
Depois o povo não entende por que eu não gosto de fila...
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